Com uma média de quatro páginas por dia, durante dois meses e meio, até chegar às 320, de Passageiro do Fim do Dia, lançado pela editora Cosac Naify, Cadão Volpato faz uma bela estreia em seu primeiro romance. Criador da banda Fellini, em 1984, tem autoria de quatro livros de contos.
O convite para a estreia no romance surgiu por um convite de Luiz Ruffato, em 2011. Ruffato era na época curador de literatura contemporânea da editora portuguesa Babel, extinta após menos de um ano.
Ao escrever como um conto diário o romance, a trama é bastante autônoma, assim como os protagonistas, meio antipodas da progressão usual dos romances, com direito a devaneios abruptos, enquanto viajam pela história, em diversos lugares como São Paulo, La Paz, Patagônia, Amsterdam, Lima e Buenos Aires.

A trama gira em torno de Rivoli, um arquiteto paulistano, com cara de sueco e Tortoni, um taxista portenho que leva o apelido do famoso café da Avenida de Mayo.
Juntos vão ao hotel do fim do mundo na Patagônia em um carro alugado. Pelo deserto mora o desvario de impressões e marcas entre realidade e o sonho.
Anos depois, em São Paulo, o destino dos dois se une novamente, agora pelo encontro de seus filhos. O motivo. A ditadura militar brasileira e argentina cuja repressão recai dobrada aos jovens latino americanos.
A partir dos protagonistas, uma gama de personagens passam pelo romance, como Francesco, filho de Tortoni, um ``às´´ do futebol, mas tem sua ``carreira´´ ofuscada pela ausência paterna. Juntamente com a linda Gábi, cuja relação não se sabe, são forçados a se autoexilar no Brasil, onde se tornaram alvo do regime. Sílvia, filha de Rivoli, enxerga extraordinários seres feitos de fumaça azul e Rodrigo, namora uma garota ``cheinha´´, não muito bonita e tampouco feia e que nunca termina seu perfil de Fernando Pessoa feito em carvão.
Volpato quer dar luz a personagens que habitam o universo comum, mas com sutilezas que os fazem únicos. Uma certa infantilização das personagens fazem-os adentrar nas mais diversas dimensões do tempo e espaço, e talvez até encarar uma ditadura militar sem a consciência dela. Lao, o Judeu, apesar de inocente garoto apolitizado, foi torturado pelos militares, onde levou sequelas morais traumáticas.
``Você é distraído ou não? Como as pessoas que passam pelos sonhos´´, faz alusão a gama de passageiros do mundo de Rivoli e Tortoni. Afeições jamais explicadas, como Donacci, simpatizante por Rivoli, Elisa, sua futura esposa que Rivoli ``gostou sem saber por quê´´ ou fenomenos idílicos como a cena da chuva em Lima, onde o talvez único guarda chuva da cidade em mãos de Rivoli profetizasse o impossível em suas mãos.
Quem sonha não sente saudades, logo não há arbitrariedade no encontro e desencontro das personagens. Simplesmente vem e vão ao esboçar um universo do infinito, onde as partículas elementares da matéria são rearranjos de pessoas, culturas e histórias que nunca mais se encontrarão.
Certamente Volpato aposta em um conceito contrário a literatura recente, que deve haver uma segurança de se tentar fazer uma trama, sem obstáculos reais, dada pela inércia ideológica do momento e o individualismo. Não só o momento das ditaduras latino americanas, mas a integração entre os jovens, os sonhos e a liberdade, deram mais do que pretextos para combatê-la, mas viver a vida de forma mais sincera, mais aventureira e romântica.
Um sonho artesanal construído a esmo. Um jogo de impulsos oníricos.
Pessoas que Passam Pelos Sonhos
Cadão Volpato
320 págs.
Cosac Naify
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